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Mostrando postagens de março, 2012

Por Um Abraço

A pouco mais de cinco anos, uma noite dessas seria um convite à navalha. Àquela sensação reconfortante de vazio, de que o nada poderia ser meu. Enfim... Em outros tempos, outra vida, a vida não seria empecilho. Em outros cantos, outras mortes, a morte seria bem-vinda. Eu sei, eu sei. Difícil entender um instinto suicida... Não liguem. Essa sou apenas eu. O fato é que, agora, este exato momento, revivo a sensação de quando a navalha estava tão próxima. Estranho sentimento, pois nada no mundo poderia me matar agora. Não mais. Já não sou assim. Tenho pelo que viver. E vale a pena cada dia. É exatamente por isso, por ter abdicado conscientemente de meu lado funesto que, agora mesmo, sinto que algo não se encaixa. Eu não deveria – não poderia! – me sentir como na época da dor... Ou deveria? O que eu sei é que, quando se é um solitário por opção, o nada faz companhia. A gente acostuma a estar só, mesmo cercada de gente. Entende? É, sei que entende. E é fato que essa solidão faz

Sorriso Triste

– A culpa não é sua. Sou eu. Eu e essa minha carência. – Mas, se você está carente, a culpa também é minha. – Você não tem culpa de nada. Você faz tudo o que pode... sou só eu. – Fico triste de ver você assim. – Eu também. – E chorar? Não ajuda? – Não. Não consigo. Acho que não tenho lágrimas. – Todo mundo tem lágrimas. – É. Mas eu não quero chorar. Não sinto vontade. – Me diz o que fazer. – Nada. Não precisa fazer nada. – Então, me fala o que incomoda você. Quem sabe... – Sei lá. É só tristeza. Solidão. Todo mundo que eu amo está longe. – Eu amo você. – Eu sei. Também te amo. Mas... não é a mesma coisa. Não tenho com quem conversar. – Converse comigo. – Pare. Você está me deixando pior. – Desculpe... – Tudo bem. – Não fiz por mal. – Eu sei. Olha, vou deixar você agora. Tudo bem? – Sim. Se precisar, estou aqui. – É. Você sempre está. Sorriu um sorriso triste, beijou o espelho e se foi.

Descobri que Não Preciso Mais de Homem

– Descobri que não preciso mais de homem! – disse estridentemente Teresinha para sua vizinha, Abigail, enquanto lhe servia uma xícara de chá na sala de casa. – Como assim, comadre? – quis saber a outra, xícara tremendo na mão – Todas precisamos de um macho de vez em quando. Mesmo que pra trocar a lâmpada do quartinho, que tem teto alto. – Pois é o que eu lhe digo, comadre. Não preciso mais. E não estou falando de lâmpadas. Muito menos de quartinhos! – Teresinha, minha amiga, me explique isso! – implorou Abigail, ainda com o chá por beber. Uma pigarreada mais tarde, Teresinha lança para a amiga um olhar lânguido. A boca pintada de pink quase sorri antes da confissão. – Gozei ontem. Pela primeira vez. Abigail faz um tremendo esforço para não derramar o chá. Equilibra a xícara habilmente enquanto tenta formular as frases com alguma coerência. – Que é isso, comadre? Que linguajar... Não é do seu feitio. – Pois, agora é, comadre. Falo sim. Falo em gozo. Orgasmo, sabe? Já te

Lágrima

Eu, que nunca choro, hoje me doo. Não de doar, mas de doer. E dores vêm a me assolar. E molho meu rosto, meu todo. Me verto em prantos. E não sei por quê. Não sei por que choro. E eu que não choro, agora me derreto em lágrimas. E dói. Sofro por um desejo, um sonho, um algo a realizar. Algo tão distante, tão bonito, tão meu, que me escapa.  . Eu, que não sei chorar, agora me desmancho em soluços inaudíveis. E meço cada fio de pranto com a mesma régua que tolhe o destino. Sim, sou tolhida, cortada, podada como um galho de parreira. E de minhas frutas se extrai o vinho incolor que agora desce por meus olhos. E ainda não me doo. De doar. Porque dói.  . Eu, pedra bruta, força plena. Na solidão do meu luto interno, me desnudo. E sinto o toque da lágrima a queimar a pele. E sinto o toque da pele a ferir a alma. E sinto a falta da alma no toque que não há. E, por mim mesma, por minha ausência, choro.  . Eu, que vivo sem culpa, sem medo, sem métrica. Eu que sou o que sou por von

Não Me Mandem Flores

Estou assistindo na internet um crescer emaranhado de discussões sobre a mulher. Proximidades do dia 8 de Março, creio e compreendo. Aliás, creio, compreendo e desprezo! É, desprezo! Faz anos que digo e repito, não me cumprimentem pelo Dia Internacional da Mulher. Não comemoro a data. Obrigada! E todos ficam confusos. Alguns até olham feio. “Mas, como?” – perguntam – “Você não gosta de flores? De presentes? De elogios? Afinal, é o SEU dia especial!” Sim, eu explico! É claro que gosto de elogios e presentes. E qualquer mulher que diga que não gosta de ganhar flores, está mentindo! O problema é a data, o tal Dia Especial... Alguém, por acaso, sabe o porquê da data 8 de março? Não??? No Dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos de Nova Iorque fizeram uma greve. Ocuparam a fábrica e reivindicaram melhores condições de trabalho. A manifestação foi reprimida com violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Perto de 130 tecelãs morrera

Aeroporto

Pensei em escrever algo no blog. Protelei um pouco, com medo de que o nó na garganta se soltasse e escapasse pelos olhos, molhando as palavras. Pensei em pensar em outra coisa, desviar a percepção, ocupar as mãos. Pensei em pular do trampolim direto no centro da pilha de trabalho ainda por terminar. Desisti de tudo isso. Desisti de me fazer forte. Desisti de desistir. Faz tempo que a falta de alguém não me pesa tanto nos sentidos. Falta real, humana, não aquela encenada que povoa os devaneios literários. Falta que faz apertar o peito, que faz encolher a alegria. Falta que faz derramar letras inúteis sobre folhas virtuais. Saudade é o nome desse sentimento tão mesquinho, egóico, treslouco. É a saudade que faz o sabor se perder na língua. É ela que cala o telefone. Que faz o cérebro embotar na lembrança do cheiro do perfume. É a saudade que sinto agora que me faz querer respirar ares menos porto-alegrenses – pela primeira vez, vejo essa vontade real, materializada e quase irresi