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Mostrando postagens de novembro, 2012

Ao Fim

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Quando tudo acabou, eu ainda estava aqui. Quando os fragmentos deixaram de existir, eu ainda permanecia no mesmo momento, a observar o espaço absolutamente vazio. Tão denso quanto a própria matéria. Mas, estou me adiantando... Foi o amanhecer do último dia. Último dia. Ninguém sabia ainda. Nem eu. Ainda não. Ninguém se deu por conta. Contudo, aquele dia já começou diferente. Os madrugadores, como eu, talvez tenham percebido que os pássaros corriqueiros não cantavam acompanhando o primeiro raio de sol. Eles foram os primeiros, tão frágeis que eram. Um silêncio incomum guardava o raiar daquela manhã. Todavia, o dia não começa com o sol. Antes ainda, a madrugada foi quieta. Os notívagos que, como eu, voltaram olhos ao negro manto acima das luzes da rua, quem sabe tenham percebido que, uma a uma, pequeninas estrelas deixavam de brilhar. Apagavam-se, simplesmente. Uns menos atentos poderiam pensar que se preparava um amanhecer nublado, chuvoso. Mas, eu podia ver a ausência de nuven

Kafkiando

Acordou se sentindo Kafka. Não Gregor-Barata; isso já se sentia diariamente. Mas, a própria mente deturpada do criador do homem-inseto. Sentiu que podia transformar tudo, mutilar todos. Arrancar patinhas. Sentiu-se a escritora do destino. Mas, só por um segundo, antes de voltar a se sentir Barata. Assim, com letra maiúscula mesmo. Como um nome do meio pendurado num crachá. Tomou ânimo no café da manhã. Outra coisa qualquer não conseguiria digerir. Rumou ao mundo infeliz e tedioso do dia a dia. De quando em vez, a sensação voltava e, mentalmente, dava patas espinhentas e asas marrom-transparentes aos que lhe interrompiam o caminho. Chegou a conceder antenas a alguma colega de trabalho. Brincou de deusa-inseto, vespa-rainha, mas não falou com ninguém. Esqueceu-se de criar diálogos. Voltou ao ninho quando o sol dormiu, direto para o silêncio do claustro. Bebericou um veneninho, só para não perder o hábito. Evitou o espelho, só por conveniência. Arrancou as próprias asas, só p

Eu Quero!

Eu quero só um chamego. Quero só um carinho, um cheiro. Quero a pele colando em outra pele. Quero um sussurro, um suspiro, um suspense. Quero afago, agarro, arroubo. Quero arfam, quero arfar. Quero somente o gesto e o jeito, o sujeito do verbo. Quero verbal, oral, tátil. Quero só aquele toque, aquele choque, quero sensualizar. Quero o fato, o gosto, o berro. Quero beijo, quero língua, quero ficar sem ar. Quero só um gole de saliva, de suor, quero que me bebam. Quero mastigar aromas, engolir carne crua. Quero brisa, quero rua, quero o sal do Mar Morto. Quero encolher na curva do braço, quero amasso, quero vadiar. Quero fechar os olhos e ver com os dedos. Quero mãos, quero pêlos. Quero só a trilha aberta na fenda do gemido. Quero só o deslizar de corpos, quero o indizível, o irrefreável. Quero o gozo, quero mormaço, que abraço. Quero o não ver, desfalecer. Quero só o prazer do momento. Quero vento, quero colo. Quero só um amor qualquer. Quero amar.