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Mostrando postagens de março, 2013

Não Me Ame

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Não me peça pra ficar. Não vou deixar. Você pensa agora que seu lugar é ao meu lado. Mas um dia vai acordar e já não será assim. Vá por mim. Não é o certo. Vejo a mim mesma em seus olhos e o que enxergo não é quem sei que sou. Sou tão menos do que você me faz, não sou digna de um querer tão doce. Creia, não valho a pena. Não me peça pra ficar. Não quero ver você sofrer. E você vai sofrer, acredite. E eu sofreria pelo fato de não poder ser aquela que você quer, que você merece. Não estou à altura de sua ambição, de seu afeto. Sim, sou egoísta. Não fui responsável por seu encantamento, não o serei por seu desencanto. Eu nada fiz, você sabe. O que você viu em mim, ia além de mim. Você me idealizou, me eternizou. Você se apaixonou pelo que achou que eu era. Mas confesso que gostei dessa atenção. Confesso que me aproveitei desse gostar crescente que aflorava em você. Só não esperei que você chegasse tão perto. Decerto que subestimei seu amor. Agora, vendo você aqui, tão exp

Descarinhos

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Sou bem mais do que gritam meus gestos ao mundo. Sou bem menos do que realmente valho. Sou o aspecto fálico, flácido, desfalecido. Sou concepção e padecimento compulsivo. Sou o misto da força e da sedução, ambas efêmeras. Tenho alguns sentimentos em mim, em meu íntimo resguardados. Tenha medo, sim. Sou quase humanidade, mais que pessoa. Sou o ser que se entrega sem modéstias, sem modismos. Sou quem cede o corpo a outro corpo em troca de um carinho. Descarinhos, descaminhos, desafetos. Sou pele e espinhos, pois minhas pétalas já as perdi. Foram-me arrancadas. Ou me desfiz delas por serem bonitas demais. E eu não creio que mereça essa beleza. Sou aquilo que me querem dar, sou quem troca lágrimas pelas migalhas. Sou mendicância, resignação, contentamento métrico. Tenho o querer caótico, embrutecido pelos desencantos. Sou amores não florescidos, sou lamento de fagulhas apagadas. Sou desigual no intransigente caminho de amar. Sou desamor, desengano. Sou simplesmente alguém

Terezinha Pós-Moderna

“Terezinha de Jesus de uma queda foi ao chão. Acudiram três cavalheiros, todos três chapéu na mão.” O primeiro foi impacto. Foi o beijo na calçada escura. Foi paixão arrebatadora. O primeiro foi moicano, bandana, alargador, tatuagem! O primeiro foi puro fogo, testosterona. O vigor da juventude. Impulso, suor e pêlos. Foi violência e ardor. Mas também foi meiguice, segurança, foi docilidade e susto. O primeiro foi tudo o que ela queria. Um misto de homem e menino, um mistério denso, delirante. E foi medo, foi arisco. Deixou um rastro de saudade e lágrimas. Deixou o gosto de cerveja forte. E ela chorou pela ausência ele. O segundo foi delicadeza. Foi o reconhecimento, o interesse, a lembrança. Foi o gostar suave, desvendado aos poucos. Foi palavra, foi imagem, criação. Foi puro carisma, afinidade. O aconchego da maturidade a conflitar com a alma juvenil. Foi decência e amizade, foi aceitação. Mas também foi impossibilidade, foi barreira imposta e intransponível. Um doer-se d

Devo Lhe Dizer

Quanto tempo passou desde que conversamos pela última vê, não é mesmo? Quantas coisas já aconteceram, quanta água rolou debaixo da ponte. As pessoas ainda perguntam como eu estou. Eu estou bem. É verdade. Tento responder sempre com o sorriso mais espontâneo, para que sorriam de volta e relaxem, evitando mais perguntas tão inúteis assim. Mas devo lhe dizer que estou realmente bem. Não precisa se preocupar comigo. Tenho tomado, ultimamente, minhas próprias decisões. Decido acordar e sair da cama todos os dias. Decido usar outras roupas – andei gastando dinheiro nisso – que não aquele uniforme doméstico que você conhece tão bem. Tenho tomado a decisão de me enfeitar um pouco, emagrecer, comprar sapatos. Salto alto, acredite! Tenho até me decidido a me achar mais bonita no espelho. Essas minhas decisões podem parecer pouco sérias, mas estão ajudando muito. Tenho cuidado da casa com mais afeto. Tenho me dado passeios ao ar livre de presente. Pensei em começar academia, pensei e

Diálogo das Flores

Havia uma bela orquídea, desenhada de roxo e branco, delicada e quase etérea, a esperar em sua linda caixinha enfeitada. Ao lado dela, sobre o balcão da floricultura, um singelo vasinho de violetas foi deixado. A orquídea mediu a violeta folha por folha. – Olá, flor tão linda – disse, amigável, a violeta – Temos a mesma cor, nós duas. – Oh, não, querida – rebateu a esnobe orquídea. – As minhas tonalidades são únicas. Eu sou uma flor rara. – É mesmo? Eu não sabia. Muito prazer em conhecê-la, então. Fico feliz de ter sido colocada a seu lado. – Decerto que isso foi um engano e já irão levá-la. – Por que diz isso? – intrigou-se a violeta – Estamos ambas esperando quem nos queira. – Sim, certamente. Mas podemos dizer que não esperamos pelas mesmas gentes. – Como assim? A orquídea sorriu, disfarçando o desdém. – Eu sou um presente caro. Por certo, vou adornar não apenas quem possa pagar por mim, mas quem me mereça de fato. E você, não que isso seja ruim, é claro, ador

Um Ramo de Alecrim

Quem é tão especial quanto deseja ser? Quem se vê como é e quem se imagina? Quem de nós idealiza-se no olhar do outro? Quem, dentre todos nós – sonhadores –, está realmente preparado para saber-se menos do que gostaria? Só sabemos que a opinião alheia importa quando esse alheio é tão próximo que nos fere o ego. Só nos sabemos insossos, comuns, quando esse mesmo alheio não nos vê. E, se vê, não parece admirar como deveria, como poderia, como queríamos... De quem é o erro? Daquele que vê ou daquele que é visto? A florzinha de alecrim que afoga ao lado da rosa sabe o peso de ser um ser mediano. Ainda assim, a flor do campo insiste, resiste, está lá, dourando qualquer gramado que lhe permita existir. Sombreada e esquecida, erva daninha no matagal. Quem sabe, nem a flor se saiba menos linda, nem o campo a veja como é. De qual dos dois é o erro? O mais triste é que saber-se especial não significa sê-lo. Triste é não ter em si – em mim? – o poder tão cobiçado do encantamento,

Outonos

A lareira espera. Ainda não é momento. Ainda não é certo. Somente uma brisa mais fria, um luminescer de nuvens pálidas. As flores deixando de colorir lá fora. E, aqui dentro, chamas apagadas. A lareira e o peito vão esperar... O vinho, a castanha, o cobertor. Tudo aguarda enquanto as árvores se vestem de plátanos. Manhãs frias, tardes chuvosas, noites de estrelas. Poucas roupas, muitas roupas... cinza e nevoeiro. Ainda não é certo, ainda não é o momento. Tempo calmo, de ter calma, de livro e vinil. Tempo de suspiros, de janelas embaçadas, vida embaçada. Tempo sem vida, não é o momento. Hibernar ainda não. Fugir, ficar, deprimir, reprimir. Buscar aconchego ainda não é certo. Destoa a vontade do abraço, a necessidade do abrigo. Solidão combina com suspiro e chuva. Outonos sem lenha crepitando, sem dormir de conchinha. Hora de guardar o coração e aguardar invernos... esperar que ele, quem sabe, se decida... Mas o certo é que não é certo. Não é momento... de ganhar amor.

Eu que sou Estrela

Não te tenho por perto e já sinto tua falta. Sinto falta de algo que só tu tens. Um quê magnético, imantado. Será que tens? Será que me percebo em ti, e só? Sim, questiono a cada instante, se te percebo só a ti ou se me significo no que és, no que não fui. Será? Mas o que fui, o que me tornei, é tão diferente de ti. Tão apartado de teus desejos e conquistas. Se me reparo no teu ser, é porque te vejo – e só a ti – antes de mim. Vejo quem és. Será que enxergo bem? Desvendar uma pessoa é tão complexo quanto desmembrar qualquer roteiro. Decupá-lo quadro a quadro! É definir o personagem que não é ficcional. É discorrer sobre a alma que, por si só, se eleva por sobre a compreensão mundana. Um criador reconhece outro, um ficcionista se vê no espelho. Mas, mais além, quero perceber de ti a integridade de espírito. O que te dói, o que te trava, o que te alimenta. Quero ser – pretensiosa que sou – esse alimento d’alma... Permites? Quero mais que uma biografia. Quero muito al

Neve ao Luar

Quando neva não tem lua. Mas a lua está lá, vendo a neve planar. Como de uma janela do décimo andar sobre o abismo da cidade, como assistir o chuvisco por sobre as luzes. Quase dá pra ver a lua. Quase dá pra ver quem está lá embaixo, ensopado, enregelado, fugindo da tempestade. Quase dá pra ver um rosto... Mas falta a lente, falta o olho, falta descer ao abismo pra ver esse rosto de frente. De perto. Falta nitidez, alcance, foco. Falta sair na neve, na chuva, falta deixar-se encharcar num chafariz num dia de vento. Falta clareza, claridade, falta o raio de sol mais que a luz do poste pra iluminar a descida. Falta coragem... E onde falta ímpeto, sobra o sopro do sul, gelando os ossos. Sobra o frio da covardia que corta como faca afiada as arestas da fantasia. Falta tempero, sobra desgosto. Sobram restos intocados de goles de vinho barato. Sobram sobre a mesa as taças sujas diante da janela vazia de onde não se vê a lua. Sobra vontade, falta o beijo de um filme antigo...

Dia Internacional da Mulher: uma paródia

Aconteceu, muito tempo antes de nós, uma luta de classe e de sexo que determinava que uma mulher, por ser inferior ao homem, deveria trabalhar mais e ganhar menos. Brigas e perrengas várias mais tarde, determinou-se que o trabalho seria igual para os dois sexos. Uma mentira descarada, mas deixe estar. Apesar das vitórias feministas obtidas desde o voto feminino brasileiro, em 1932, ainda revogo o fato de comemorar o dito 8 de Março como me dizendo respeito diretamente. Entendam: a comemoração, não o sentido. A comemoração diz respeito a “louvar” a mulher em um dia específico, dando presentes e fazendo homenagens. O sentido diz respeito ao descaso, omissão, preconceito e sexismo os quais enfrentamos, nós mulheres, diariamente. Sou da geração que não precisa mais ser feminista. Isso não é uma afronta. É a realidade. Hoje, beirando os 40 anos, sou mãe, mulher, profissional, empresária, livre, respeitada, formadora de opinião, independente. Sou o todo que qualquer homem deve s

Minha Criança Dorme

Minha filha adormece tão inocente, tão autêntica. Adormece no justo sono dos puros, no descansar daqueles que, livres de máculas, ainda não cometeram pecado. Minha criança dorme na paz do reino dos anjos. E eu aqui, velo por ela sorvendo os venenos dos males do mundo. Eu velo o sono infantil sabendo das dores que a vida ainda vai fazer surgir. A perda e a busca, o flagelo necessário. O endurecimento. O crescimento. Velo minha menina sentindo todos os rancores rondarem. Rancores que anda não são dela, mas que eu não posso impedir. Pois ela, tão linda, tão limpa, terá de enfrentar cada bicho-papão, cada fantasma. E vencerá. E vencendo, crescerá forte, madura. Todavia, choro pela perda da imaculada inocência de agora. Porque, quando o mundo começar a ruir – e vai ruir –, só ela será capaz de reunir e colar seus próprios pedaços. Eu apenas rezo aos deuses que o fardo dela não seja como o meu. Que não seja grande demais. Que não a faça perder esse “querer viver” que, nela,